sexta-feira, 1 de maio de 2020

O coronelismo enquanto fio condutor da relação colonizador e colonizado na obra Seringal

Por Leandro do Nascimento Sousa*

formado em Letras Português pela Universidade Federal do Acre

A obra o “Seringal” de Miguel Ferrante, traz uma gama de informação da vivência do seringueiro na Amazônia, em especial no Estado do Acre. Através deste romance, o autor nos ajuda a compreender vários contextos dicotômicos vivenciado no período áureo do ouro negro da Amazônia, uma vez que temos a condição de conhecer a história dos seringueiros, sua relação com o seringalista e a árdua luta pela sobrevivência em meio a selva amazônica. Nela, o autor nos apresenta a grande floresta e narra o drama humano. 

Antes de adentar no mérito da análise, na qual dar-se-á na relação dicotômica colonizador (coronel) e colonizado (seringueiro). É importante enfatizar que o romance, também nos permite debatê-lo a partir de outros enfoques, por exemplo, a figura feminina e o silenciamento, civilização versus barbárie e o espaço. 

Toinho é o personagem principal. Contudo, é a floresta que mais se destaca nesta obra de Miguel Ferrante. É como se o homem e suas ações servisse apenas de adorno ao universo descritivo do imenso espaço verde, que é descrito como agonizante, caótico e de desolação. Não apenas para o seringueiro, mas também ao dono do seringal, ou seja, o coronel. “Há paisagem parada um tom cinza de desolação e de angústia. O ar imobilizado. Nem uma asa, a mais ligeira brisa. Tudo estático, a morrer brutalizado pelo calor asfixiante, sob a cúpula do céu”. (FERRANTE, 2003, p. 19). 

Embora a obra tenha um viés determinista, ou seja, condiciona o ser ao meio. Na citação, ela age de forma análoga ao sofrimento do homem, a exemplo das características dos romances de conotação romântica. Que quando o personagem está alegre, a natureza exibe um cenário de beleza, neste caso, ela representa o sofrimento dos seringueiros, pela condição sub-humana que vivem. 

Um exemplo disso é Toinho e o pai dele, Zé-Leite. Que nasceram e morreram no Santa Rita, espaço da trama. O personagem é subjugado por ter nascido naquela selva, cuja opção é morrer na floresta. “Toinho é cria do Santa Rita (2003: 23). Sendo apontado como uma figura deprimente, um ser inexpressivo, alguém que nasceu e viveu sem identidade, reduzido ao conhecimento dos que também viviam ali. “A voz era um fio, quase a morrer-lhe nos lábios. Como se as pupilas amareladas do homem lhe fustigassem a alma dura em pânico. Quase nem lhe ouvia a voz indiferente e dura”.( FERRANTE, 2003, p. 24/25). 

Diferente de Toinho e dos outros seringueiros, o Coronel Fábio Alencar é descrito como um ser que ao olharmos já impõe medo pelo poder da autoridade que representa no local, na qual ele próprio é a “lei”. “Era um homem rijo, como um castanheiro, nos sessenta anos de idade, baixo, os membros fortes, os cabelos grisalhos. O rosto sanguíneo tinha uma expressão de aspereza e força”. (FERRANTE, 2003, p. 24). Como o autor sugere, o patrão não pode demonstrar fraqueza. Até sua voz precisa impor sua autoridade ante os colonizados. “O garoto permaneceu imóvel, perdido na confusão e estranho temor”. 

Na obra O seringueiro e o Seringal de Arthur Cezar Ferreira Reis, ele pondera que no seringal, a unidade mais expressiva era o patrão. Tendo este conquistado o posto com muita labuta. “Inicialmente, foi um batalhador de hinterlândia, um explorador da selva, que se impôs pela posse das virtudes e da qualidade de vitória”. (REIS, 1953, p.114). Reis também afirma que ele precisa ser rígido, disciplinador. 

Disciplinador por excelência, tem que mostrar-se à altura dos quantos problemas surgem, principalmente a ordem tem que ser mantida nos barracões, nos “fabricos”, nas tarefas do dia a dia. Muitas vezes se mostra violento, indo mesmo à barbárie no trato com os seus homens. Seu método de ação, por isso mesmo, lhe tem valido a acusação de desumano. Explorador de sangue dos jurisdicionados, senhor de escravo, feudal. (REIS, 1953, p.115). 

Ao mencionar o feudalismo e a escravidão, Reis relembra o regime de governo que vigorou no continente europeu, conhecido como feudalismo, na qual o senhor feudal ditava as leis sobre aqueles que viviam em sua propriedade, da mesma forma, ocorria com os colonizados na Amazônia. Eles também viviam no regime de escravidão, trabalhava unicamente para enriquecer ainda mais o seringalista e recebia apenas o mínimo para sobreviver em troca da borracha produzida. Semelhante aos escravos que foram trazidos da África para trabalhar na lavoura da cana-de-açúcar e do café, eles não tinham liberdade para irem embora, estavam condenados a morrer trabalhando ali. 

Ferrante exemplifica bem a autoridade do coronel na imposição de sua força, quando narra o ocorrido com o seringueiro Amâncio. Na época, o cultivo da agricultura nos seringais era proibido, haja vista que os colonizados deveriam consumir os produtos vendidos no barracão, além disso, os donos da terra acreditavam que ao se dedicar ao plantio, deixaria em segundo plano a exploração do látex. “Olha aqui, já disse que não consinto plantações no meu seringal. Não quero seringueiro metido com agricultura”. (FERRANTE, 2003, p.96). Por ter contrariado a ordem, Amâncio apanhou na frente da família, teve a plantação destruída e foi expulso sem direito nenhum da colônia. “Mandou dar-lhe uma lição e expulsá-lo da barraca. Os cabras foram chegando e metendo o relho no Amâncio. Ali mesmo, diante da família. Não respeitaram os filhos, nem a mulher, que estava de resguardo”. (FERRANTE, 2003, p. 97). 

No artigo intitulado Cultura indígena: construindo caminhos para desfazer o preconceito, de autoria do professor Thiago da Silva Muniz, escrito a partir das informações de sua tese de mestrado, ele lembra que o nosso país foi construído alicerçado na exploração e no uso abusivo de poder por parte das autoridades. “Nosso país foi formado tendo como alicerce a exploração e o abusivo uso de poder das autoridades que aqui chegavam. Nesse contexto, o indígena, assim, como a terra, passou a ser explorado e perdendo seus territórios com o passar dos séculos”. (MARTINS, 2016, p. 2). 

Com relação a exploração dos colonizados narrado na obra analisada, a semelhança é praticamente a mesma. A diferença que existe é porque, quando os colonizadores portugueses chegaram em nosso país já tinha os povos nativos. Já os seringueiros foram trazidos para cá, iludido com ideia de enriquecimento fácil, muitos fugindo da seca e da fome que assolava a região nordeste, além de que muitos que tiveram de optar entre ir para guerra defender o Brasil, isso já no segundo ciclo da borracha, ou vir ser soldado da borracha. 

Ainda no tocante a relação colonizador e colonizado, Francielle Maria Modesto Mendes na sua tese de pós-graduação com o título “ Coronel de Barranco: a Literatura no imaginário social na Amazônia do primeiro ciclo da borracha” apresenta duas características do coronelismo: o mandonismo e o clientelismo. Sendo que no mandonismo o coronel exerce o papel de mandão, as pessoas estão subjugadas as suas ordens, impedindo de ter acesso completo as questões sociais. No livro o Seringal, essa situação do mandonismo fica nítida no período eleitoral, na qual os moradores do Santa Rita votam nos candidatos apoiados pelo coronel Fábio Alencar. Todos têm que seguir arrisca a cartilha do patrão. 

O coronel cumpre a promessa feita ao doutor Adelmar. No dia da eleição, vai, pessoalmente, à Vila, à frente dos seringueiros do “Santa Rita”. Raros sabem ler. Poucos os que aprenderam a ferrar o nome, mecanicamente, à custa de esforços tremendos. Mas isso é apenas um pormenor de pouca monta. O importante é que são eleitores com título formalizado, e vão votar no candidato do patrão. (FERRANTE, 2003, p. 146). 

Essa troca de favor entre os coronéis e os políticos influenciou por décadas a política do país. No caso do Acre, ainda há lugares que os coronéis de barrancos comandam os destinos políticos. Isso, graças ao clientelismo apontado por Mendes (2013), construindo uma relação de dependência assistencial do político para com o eleitor. A ausência de políticas públicas do Estado fortalece este tipo de política, pois a população das regiões pobres não tem assistência médica, falta medicamento, aí recorre aos políticos e o pagamento é o voto. “O clientelismo se assemelha ao mandonismo, porém dispensa a figura do coronel ou de outro sujeito, pois a relação se dá diretamente entre o político e o povo”. (MENDES, 2013, p. 35). Contudo, na nossa região, o contato eleitor e político para realizar a troca de favores, criando o vínculo do clientelismo, é mediada por supostos líderes comunitários, que recebe o dinheiro e outros itens dos políticos para repassar ao eleitorado. Verifica-se, neste caso, que os coronéis foram substituídos por estas supostas lideranças, ou seja, só mudou os atores, mas os modus operandi são semelhantes. 

Na relação colonizador e colonizado há um outro elemento que está sempre presente: a Igreja Católica. No início da colonização, os padres jesuítas foram os responsáveis pela civilidade dos gentios, cabiam a eles educar, evangelizar e ganhar almas dos índios para Deus. Além disso, por meio da catequização a língua portuguesa era difundida e auxiliasse a Coroa expandir sua presença na nova terra através do idioma. Nesta obra, o padre José tem papel semelhante com a realização das desobrigas. “Padre José vem ao Santa Rita em “desobriga”. Vem batizar e casar. Limpar os pagãos do pecado original. Unir noivos e casar sob a Santa Lei da Igreja. Legitimar no aprisco do Senhor obscuro rebanho coronel Fábio Alencar”. (FERRANTE, 2003, p. 108). Assim, como os portugueses considerava os indígenas sua propriedade, os seringueiros também era propriedade do coronel. 

Dessa forma, podemos dizer que o processo colonização da Amazônia foi semelhante ao dos portugueses com os nativos. Embora, cada situação tenha peculiaridade, mas a forma de exploração foi análoga. Isso explica do porquê de termos uma sociedade ainda tão carente de conhecimento e de políticas públicas. 

* Trabalhado apresentado durante o curso de Letras Português

Referência bibliográfica 

FERRANTE, Miguel Jeronymo. Seringal. -2.ed.-Rio Branco, Ufac/Fundape, 2003. 

MENDES, Francielle Maria Modesto. Coronel de Barrano: a Literatura no imaginário social da Amazônia no primeiro ciclo da borracha. São Paulo, USP, 2013. 

MUNIZ, Thiago da Silva. Cultura indígena: construindo caminhos para desfazer o preconceito. Rio Branco, Publicado pela Universidade Federal do Acre, 2016. 

REIS, Arthur Cezar Ferreira. O seringueiro e o Seringal. Rio de Janeiro, Serviço de Informação Agrícola, 1953. 













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