Presidente disse que, se Felipe Santa Cruz quiser saber sobre desaparecimento do pai no regime militar, 'um dia' conta. Depois, afirmou que ele foi morto por membros da própria organização.
Por Rosanne D'Agostino, Luiz Felipe Barbiéri e Mariana Oliveira, G1 e TV Globo — Brasília
O presidente da OAB, Felipe Santa Cruz — Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, entrou com uma interpelação nesta quarta-feira (31) no Supremo Tribunal Federal (STF) para que o presidente Jair Bolsonaro explique declarações a respeito do pai dele, Fernando Augusto de Santa Cruz Oliveira, desaparecido durante a ditadura militar.
A defesa quer que o presidente dê explicações sobre a afirmação feita nesta segunda-feira por Bolsonaro de que "um dia" contará ao presidente da Ordem como o pai do advogado desapareceu na ditadura militar, caso a informação interesse ao filho.
Segundo afirmou Bolsonaro na ocasião, Santa Cruz "não vai querer saber a verdade" sobre o pai. Depois, disse que o Fernando Santa Cruz foi morto por companheiros da Ação Popular (AP), organização de esquerda na qual ele militava e classificada pelo presidente como "grupo terrorista".
Documentos da Comissão da Verdade, da Marinha e da Aeronáuticaindicam que o militante foi preso por agentes do regime militar um dia antes da data em que morreu. O atestado de óbito diz que ele teve morte "morte não natural, violenta, causada pelo Estado brasileiro, no contexto da perseguição sistemática e generalizada à população identificada como opositora política ao regime ditatorial de 1964 a 1985".
O tipo de processo entregue pelo presidente da OAB ao STF serve para tentar esclarecer se o que a outra parte disse é ou não ofensivo, o que pode gerar uma ação de crime contra honra.
Mas, mesmo se o Supremo notificar o presidente, Bolsonaro não será obrigado a responder. Nessa hipótese, o STF informa a quem interpelou, que decide se entra ou não com a ação.
Fernando Augusto de Santa Cruz Oliveira desapareceu em um encontro que teria no Rio de Janeiro, em 1974, com Eduardo Collier Filho, outro militante da AP.
Segundo o livro "Direito à memória e à verdade", produzido pelo governo federal, Fernando e o companheiro foram presos juntos em Copacabana por agentes do Doi-Codi-RJ em 23 de fevereiro daquele ano.
Pedido de explicações
Na peça judicial, Santa Cruz afirma que não é a primeira vez que Bolsonaro o ataca e tenta desqualificar a memória do seu pai.
O presidente da OAB diz que seu pai foi vítima de desaparecimento forçado praticado por agentes estatais, o que “foi oficialmente reconhecido pelo próprio estado Brasileiro, em reiteradas oportunidades”.
“As ofensas à memória de Fernando de Santa Cruz, bem como o contexto intimidatório da fala, parecem sugerir que o Exmo. Sr. Jair Bolsonaro pretende ofender diretamente o Requerente em sua dignidade e decoro, bem como desqualificar sua reputação. Embora ainda equívoca, pois situada na fronteira entre a bravata e a intimidação, a fala do Presidente da República aparenta poder se subsumir à figura típica de injúria e contra Felipe Santa Cruz”, escreveu.
Santa Cruz também diz ser inaceitável que Bolsonaro, por ser presidente da República, “não explique a razão da sua própria omissão quanto ao dever de tornar pública a autoria e as circunstâncias da prática de atos criminosos e atentatórios aos mais elementares direitos humanos”.
“Intolerável, ainda, que procure enxovalhar a honra de quem fora covardemente assassinado pelo aparelho repressivo estatal, por assacadilhas dúbias, afirmações ambíguas e gratuitas, sugestões de atos delitivos, dos quais se podem extrair ofensas”, afirmou.
Na interpelação, Santa Cruz pede que Bolsonaro esclareça se “efetivamente tem conhecimento das circunstâncias, dos locais, dos fatos e dos nomes das pessoas que causaram o desaparecimento forçado e assassinato” do seu pai.
Caso o presidente realmente saiba das circunstâncias do episódio, o presidente da OAB solicita:
que Bolsonaro explique como obteve as informações e como pode comprovar as afirmações;que indique os autores do crime e aponte onde está o corpo de Fernando Augusto de Santa Cruz Oliveira;
e que explique a razão por não ter denunciado ou mandado apurar a conduta criminosa revelada.
O presidente da OAB sustenta que Bolsonaro, ao insinuar que Fernando Santa Cruz praticou “atos de alta reprovabilidade ou mesmo condutas sanguinárias”, pode ter praticado o delito de calúnia contra memória de pessoa falecida.
“Ou o Requerido apurou concretamente a materialidade dos fatos homicidas, com a coleta dos nomes de quem cometera o citado crime contra o genitor do Requerente, e, nesse caso, tem o dever legal e básico de revelá-los para que o Estado os submeta a valoração jurídica, ou, também grave, pratica manobra diversionista para ocultar a verdadeira autoria de criminosos que atuaram nos porões da ditadura civil-militar, de triste memória”, afirmou na ação Felipe Santa Cruz.
Ele pede ainda que Bolsonaro esclareça as insinuações de que Fernando Santa Cruz teria sido morto por seus próprios companheiros de militância política em ação de justiçamento.
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