segunda-feira, 17 de março de 2014

Apesar de preso, Leopoldo ainda pensa em retomada do poder na Bolívia

Em janeiro de 2014 ac24horas negociou uma entrevista com o governador cassado e preso, Leopoldo Fernandez, principal desafeto de Evo Morales que continua em território boliviano. Foram 18 dias de negociação até que a equipe de reportagem recebeu sinal verde para chegar até ele. Depois de um dia e meio de viagem chegamos a La Paz, onde esperamos mais três dias para recebermos a autorização para entrar na casa verde do líder maior da oposição boliviana.


A primeira surpresa boa foi vê-lo forte, sorridente e determinado. Nos recebeu à porta da casa que divide com a esposa, pois não podia atravessar uma faixa amarela, colocada na área, para não infringir a condicional que lhe garante, temporariamente, o cumprimento da pena em seu domicilio, imposta pela Suprema Corte Boliviana.

Ele sabe que está lutando contra o inimigo poderoso, que usa do poder para mantê-lo encarcerado e que qualquer sinal de fraqueza poderá colocá-lo na lista dos políticos desaparecidos, sem que o clamor dos poucos seguidores ganhe força para libertá-lo das garras de Evo Morales. Por isto, Leopoldo Fernandez, mesmo em prisão domiciliar, comanda um grupo de resistência para combater o que classifica de “abuso e populismo” de Evo Morales, que usa indevidamente verbas pública para promoção pessoal e para implantação de programas sociais para se manter no poder. “Ele copiou o modelo de compra de votos do Brasil e da ditadura da Venezuela”, compara o ex-governador da província de Pando-BO, cassado há cinco anos.

Dom Leopoldo explica que esses modelos de governos nacionalistas de “esquerda” proliferaram por toda América do Sul a partir da influência do ex-presidente falecido da Venezuela, Hugo Chaves. Mas faz questão de elogiar Ollanta Humala, presidente do Peru. “Ele está surpreendendo-me. Imaginava que faria como os outros de estabelecer um governo controlador como na Bolívia, Equador e Venezuela. Mas o Humala está sendo democrático,” afirmou.


Nestes cinco anos de prisão, Leopoldo enfrentou tortura psicológica, perda de direitos políticos e a saúde ficou debilitada, tanto que foi obrigado a tirar um rim e hoje se recupera de um câncer numa aconchegante casa da Zona Sul de La Paz.“Tudo eles fizeram para me calar, mas não conseguiram. Luto por uma causa, pela libertação do povo e por democracia plena. Não luto por meus interesses e nem por vantagens deste governo fascista”, desabafa o ex-prefeito do distrito de Pando (Bolívia). E de imediato foi inevitável a primeira pergunta: “Porque estás mesmo preso?” E a resposta curta mostra quão Leopoldo está bem humorado: “Também queria saber! Vamos perguntar ao Evo e ao Juan Quintana (Ministro da Casa Civil Boliviana)?”

Leopoldo e eu já nos conhecemos desde os tempos em que ele jogava futebol no Acre – de 1972 a 1974 e depois de 1975 a 1977. Primeiro atuando pelo Independência Futebol Clube e depois pelo Rio Branco F.C. Nossa primeira conversa foi para lembrar os bons tempos de Acre. Perguntou sobre muitas pessoas, em especial quis saber noticias do amigo (quase irmão) Illimani Suarez. Respondi tudo e ainda contei mais. Falei do futebol que foi a falência depois que passou a profissional e da morte do professor Walter Félix, o Té, que o deixou muito triste.

Quando sentamos numa poltrona de couro de lhama para começar a gravar uma entrevista, ele se trancou: “não gravo entrevistas, não dou entrevistas. Falo com você porque é meu amigo. Sem gravador, sem filmagem”, advertiu. E assim foi feito.

Como tudo começou - O governador preso conta que sentiu o golpe de perseguição de Evo bem antes do mandado de prisão. E não fugiu porque não quis. Segundo ele, desde o massacre de Povenir, quando ele se manteve contra a matança ordenada por Juan Quintana (uma espécie de Zé Dirceu de Evo Morales) vieram as primeiras ameaças. Ou ele se retrava e recuava ou as forças armadas do governo boliviano passavam por cima. E relata que não podia recuar porque muitos pais de famílias foram mortos, defendendo um pequeno pedaço de terra. Pelo relato de Leopoldo, tinha gente de várias nacionalidades, inclusive um grande número de brasileiros.

Apesar de não ter gravado esta declaração, ele disse que “podem me acusar de tudo, menos de que sou assassino de crianças, mulheres, idosos e trabalhadores”.

Leopoldo Fernández Ferreira foi acusado pelo chamado “massacre de Porvenir”, de 11 de setembro de 2008, que deixou 13 mortos e 54 feridos. Após vários dias de manifestos, a polícia boliviana o captura, em 16 de setembro de 2008 e leva para a prisão de segurança máxima de Chonchocoro, região de San Pedro (Bolívia), depois sendo transferido para o presídio de San Pedro de La paz.

Foram quase cinco anos de prisão, quando foi diagnosticado um problema de saúde, que o forçou a tirar um dos rins na tentativa de evitar um câncer que se instalava no local. Com isso ganhou o direito de cumprir pena (sem veredicto) em casa. Em 22 maio deste ano, quando completará 62 anos, terá cumprido um ano de cárcere doméstico.

Mesmo com a vigilância constante do governo boliviano, Leopoldo faz reuniões com o que restou da oposição em sua casa, traça as estratégias de combate à política populista de Evo Morales e ainda tem tempo de planejar a próxima campanha contra o cocaleiro que se mantém forte no poder.

Dom Leopoldo explica que tentou trazer para a oposição o atual prefeito de La Paz, um jovem político de 41 anos e bem avaliado numa zona eleitoral em que Evo Morales tem a grande maioria do votos. Trata-se de Luis Revilla Herrero, do Partido Movimiento Sin Miedo (MSM), eleito em 2010, com quase 50% dos votos. “Estive reunido com ele algumas vezes. Mas a tendência é que Luis Revilla seja candidato à presidência numa terceira via,” previu.

Está nítido que ele sonha em ser o candidato a presidente das Forças Contrárias a Evo, mas diz que “o importante neste momento é a união de todos para extirpar o câncer que se instalou na Bolívia”, numa referência clara ao atual presidente boliviano. E neste ponto, é bem claro: o nome melhor é o do empresário Samuel Doria Medina, líder do partido União Nacional (UM).

Apesar de considerar uma chapa forte tendo Medina à frente, ele ainda não demonstra firmeza quando questionado se ganham a eleição: “Difícil dizer com certeza, mas seremos páreo duro para Evo. Se a união for total nós ganhamos, mas se houver dissidente, ele ganhará outra vez”, explica.

Para mostrar que quer mesmo tomar o poder de Evo Morales, o destemido Leopoldo diz que usará as mesmas armas: publicidade e dinheiro. Para cuidar da campanha, ele quer contratar nada mais nada menos que o brasileiro Duda Mendonça e para cuidar da parte financeira foi contratado um executivo americano que trabalhou na equipe financeira de Barack Obama.

Leopoldo Fernandez concorda que a Bolívia vive um bom momento econômico, mas critica a política financeira e social de Evo Morales. “Ele faz um distribuição de renda equivocada e não investe em saneamento básico e saúde. Ele investe na construção de casas, trazendo as famílias do campo para a cidade, criando um grande problema social, um cinturão de miséria em torno da capital”.

Na opinião de Leopoldo, essas medidas são feitas com o único objetivo de conseguir votos, comprando a esperança das pessoas. “É uma cópia mal feita dos programas do Lula e da Dilma”, denuncia ele.

Apesar desse ponto favorável ao atual governo, Leopoldo diz que há um grande sentimento de mudança por parte do povo, pois “Evo Morales não cumpriu as promessas de campanha. Os jovens são os principais adversários do atual modelo de governo. Eles estão nas escolas, nas ruas, nas praças fazendo protesto. E aos poucos o cordão vai engrossando”, observa.


REFLEXÕES E RETOMADA DA VIDA EM FAMILIA

Leopoldo vai falando e sobre a mesa em sua frente, um exemplar do livro “El Héroe Discreto” do autor peruano Mario Vargas Llosa, publicado em 2013, que fala sobre a trajetória de um empresário peruano que foi perseguido devido ao grande êxito nos seus negócios.

O governador cassado deixa claro que as duas únicas possibilidades possíveis para a sua liberdade completa seria “capitular” e aderir ao atual governo, “eles me soltariam na hora se eu me aliasse a eles, o que já me foi proposto”. Ou então, se a oposição ganhar as próximas eleições.

Durante os 45 minutos da Entrevista Não Autorizada, Leopoldo Fernandez fez outra revelação. Desta vez dirigida à família. Segundo ele, este tempo em que ficou no isolamento e escuridão serviu para se reaproximar da família. De reconhecer o verdadeiro valor da união familiar e dos valores da vida. “Esse meu período de solidão, de privacidade de minha liberdade serviu para eu abrir meus olhos e enxergar coisas que eu não via, como o carinho de uma esposa, a beleza de uma filha, a lealdade de um amigo e a simplicidade daqueles que nada têm a oferecer a não ser gestos de bondade. Isso eu aprendi na cadeia. E isso não quero mais esquecer. Pra mim são valores recuperados que me fazem forte, mais humano…”

E brinca ao concluir o raciocínio: “devo isso ao Evo Morales, ele me salvou!” – risos.

Enquanto isso, Leopoldo Fernandez vai vivendo e enfrentando o seu destino com as cores verde da esperança que, aliás, decoram a residência onde vive. 

Roberto Vaz – de La Paz-Bolívia - Fotos de Oscar Mercado
E Nelson Liano Jr.

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