Aperfeiçoar o sistema de assistência à saúde no interior dos Estados é o maior desafio da medicina brasileira no século XXI. No Acre, a realidade não é diferente. A concentração de médicos na capital expõe uma situação que chega a ser de calamidade no interior, principalmente nos municípios mais isolados como Marechal Thaumaturgo, Santa Rosa do Purus e Porto Walter.
A série PÉ NA ESTRADA está em Marechal Thaumaturgo abordando em reportagem especial, os desafios de fazer medicina em cidades isoladas. Com uma população de 14.200 habitantes e IDH 0,533, o município se enquadra no perfil das demais cidades brasileiras em que a distribuição de médicos por habitantes é heterogênea com média de um médico para cada 3.236 habitantes. Esta semana, que o município ficou sem um dos profissionais, o índice subiu e ficou de um médico para cada 3.550 habitantes. A Organização Mundial de Saúde determina um médico para cada 1.000 habitantes.
- Ontem eu estava sozinha na cidade, tive que atender todas as demandas que apareceram. É aquela tal coisa, a gente age como se estivesse apagando incêndios – revelou a especialista em oncologia, Mônica Nobrega.
De acordo com dados extraídos do Sistema Integrado de Entidades Médicas, existe no estado 575 profissionais com CRM aptos a atuar - 74% (427) deles residem na capital, Rio Branco, cidade que conta com um médico para cada grupo de 716 habitantes; os outros 21 municípios do estado dividem entre si 119 médicos.
- O salário é o maior problema para atrair profissionais com CRM para o município – revela o prefeito Randson Almeida, de Marechal Thaumaturgo.
O SUS disponibiliza R$ 9.600,00 para o pagamento de três profissionais do Programa Saúde da Família [PSF]. Segundo Keiser Allan, secretário de saúde de Marechal Thaumaturgo, o recurso não pagaria nem o salário que é exigido pelo médico cadastrado no Conselho Regional de Medicina [CRM] com média entre R$ 11 mil e R$ 19,8 por 40 horas. Para a população não ficar desassistida, os prefeitos são obrigados a contratar profissionais sem o registro. A condição longe de ser uniforme, distância cada vez mais o Acre de ser o melhor lugar para se viver. Enquanto na capital os índices chegam perto a de países como os Estados Unidos, no interior a realidade é semelhante à de países africanos.
- Nosso secretário está há uma semana em Rio Branco tentando contratar mais dois profissionais que completariam nosso quadro de PSF e melhorariam os nossos atendimentos principalmente para os ribeirinhos – acrescenta o prefeito.
Keiser tenta salvar recursos disponibilizados para a implantação de mais dois PSF que praticamente dobrariam a cobertura feita a 3.259 famílias atendidas nas regiões do Rio Tejo, na Foz do Breu, Foz do Bajé, Baixo Juruá, Porongaba, Flora e Estrirão do Tabocal. As notícias, porém, não são as melhores. Por telefone o secretário de saúde informou que não conseguiu contratar nenhum profissional, mesmo aqueles que não possuem CRM.
O que distância tanto o profissional de cidades isoladas como Marechal Thaumaturgo?
Quem nos responde é a médica paulista Mônica Nobrega. Formada em medicina com especialidade em Oncologia, pela Universidade de Buenos Aires, ela está há dois meses e meio no meio da Floresta Amazônica.
- Primeiro a distância da família. Não dá para trazer ninguém para morar aqui! – exclamou. Eu só conhecia a cidade através de fotos que na internet são bonitinhas. Cheguei aqui procurando a praça, mas que praça? [sorriu] – a oncologista.
Mônica conta que o impacto de educação também é muito grande. Há dois meses ela diz sentir falta de um bom dia dado pelo paciente. Ela relatou que a maioria chega se receitando e receitando toda a família, muitas vezes, “pessoas que ficam em casa”, acrescentou. Sua opinião combina com a pesquisa desenvolvida pela Universidade Federal do Estado do Pará que detectou a distância da família como fator fundamental na hora de um profissional médico decidir se embrenhar no meio da floresta.
- Temos nos municípios do norte outra coisa que preocupa, a sociedade está acostumada a ganhar tudo. A nossa cultura é diferente, lá receitamos bons remédios por que mesmo os mais carentes tem condições de ir à farmácia comprá-los. Aqui eles querem ganhar de graça e ainda levar para os que estão em casa – voltou a comentar.
Ela cita a boa vontade do grupo que trabalha com saúde no município como único estímulo de continuar atuando. O ac24horas falou com a clinica geral que também se chama Mônica, mas que assina com sobrenome de Cadenas. Formada pela Universidade de Lima, ela é do PSD da prefeitura municipal.
- Precisamos integrar as ações da Prefeitura e do Estado e fazermos um planejamento de pelo menos um ano de trabalho, do jeito que está agimos sempre apagando sempre incêndios, somente isso, nada de preventivo – destacou Cadenas.
Situação transforma cidades do interior em trampolim para o CRM
O que as profissionais não revelaram é que por trás desta vontade de fazer saúde em áreas isoladas há outro fator que preocupa as autoridades brasileiras: a rotatividade de médicos sem CRM. Depois que conseguem economizar e se legalizar junto ao Conselho os médicos vão embora das cidades em que trabalharam.
A paulista Mônica Nobrega não garantiu ficar em Marechal Thaumaturgo depois de dezembro. Quando perguntada sobre o seu tempo de permanência na cidade ela disse que está de casamento marcado para janeiro. “Se depois disso eles ainda me quiserem aqui eu volto”, acrescentou.
Na prática não é bem assim. Segundo o secretário de saúde do município, Keiser Allan, três médicos que conseguiram CRM foram embora da cidade de Marechal Thaumaturgo. Allan disse que nos demais municípios da região que sofrem pelo isolamento enfrentam o mesmo problema. O prefeito Randson conta que um deles, o Dr. José fez um acordo de receber investimentos do município para tirar CRM com a proposta de ficar um ano depois de se regularizar recebendo o mesmo salário [R$ 5.000,00] e ajudando nas ações básicas da saúde local.
- Investimos no médico, ele conseguiu se regularizar e depois passou dois meses no município. Lançou outra proposta de ficar apenas por salário de R$ 21 mil líquido. A história se repetiu com mais dois que estavam no hospital público – relatou o prefeito Randson.
A ausência de políticas públicas para a interiorização do profissional é uma das exigências apresentadas pelo Sindicato dos Médicos no último relatório de negociação enviado ao Governo do Acre e defesa do 1º secretário do Conselho Federal de Medicina, Desiré Carlos Callegari. Ele é responsável pela coleta das informações de uma pesquisa inédita feita pelo CFM.
A pesquisa revela que médicos existem, entre 2000 e 2009, a quantidade de médicos aumentou 27% - de 260.216 para 330.825. No mesmo intervalo de tempo, a população brasileira cresceu aproximadamente 12% - de 171.279.882 para191.480.630, segundo estimativas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
- A realidade deveria ser bem diferente, mas na prática vivemos uma insegurança que em si já é uma doença crônica do sistema. Temos sempre que correr atrás do prejuízo, assinar TAC´s com o Ministério Público, os profissionais trabalham com medo de uma fiscalização. A realidade é muito dura – concluiu o secretário de saúde.
Da cidade de Marechal Thaumaturgo, Jairo Carioca – da redação de ac24horas
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