quinta-feira, 8 de agosto de 2019

Por unanimidade, Supremo rejeita ação do PSL que pretendia facilitar apreensão de menores


Partido de Jair Bolsonaro pretendia flexibilizar Estatudo da Criança e do Adolescente para endurecer punições. Segundo ministros, liberdade é um dos direitos fundamentais das crianças.


Por Rosanne D'Agostino e Mariana Oliveira, G1 e TV Globo — Brasília



Ministros no plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) — Foto: Nelson Jr./SCO/STF


O Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitou nesta quinta-feira (8), por unanimidade, uma ação apresentada pelo Partido Social Liberal (PSL) que pretendia, entre outros pontos, facilitar a apreensão de menores para averiguação.

A ação foi apresentada em 2005 e pretendia flexibilizar dispositivos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) para endurecer punições a jovens infratores, permitindo que policiais apreendessem menores para averiguação, mesmo sem indícios de que tenham cometido crimes.

Os ministros entenderam que a Constituição determina que Estado e sociedade assegurem os direitos fundamentais da criança, entre eles a liberdade. Na avaliação do Supremo, flexibilizar o ECA agravaria os prejuízos sociais a crianças e adolescentes em condição de rua.

Dez ministros acompanharam o voto do relator, ministro Gilmar Mendes. Apenas a ministra Cármen Lúcia não votou, pois estava ausente da sessão. Até mesmo a Advocacia-Geral da União e a Procuradoria Geral da República opinaram pela rejeição do pedido.

Com a decisão do Supremo, continua válida a regra do estatuto que prevê que, se um menor estiver perambulando pela rua, o procedimento exige a comunicação ao Conselho Tutelar para que a família seja avisada. Pelo pedido do PSL, a polícia poderia levá-lo para a delegacia para esclarecimentos.

Outro ponto da ação tratava da internação de menores. Com o entendimento da Corte, continua valendo a regra do ECA de que menores só serão internados em casos de crimes cometidos com grave ameaça ou violência. O PSL queria que fosse permitida internação no cometimento de qualquer crime, como furto, por exemplo.

Votos

O ministro Gilmar Mendes votou para rejeitar totalmente a ação. O ministro citou a Declaração Universal dos Direitos Humanos para defender o direito de crianças e adolescentes à liberdade.

"Para os autores [da ação], o autoritarismo dos tempos atuais não ocorre mediante rupturas bruscas, mas sim através de progressivas restrições das liberdades civis, incluindo as liberdades de ir e vir, de expressão e associação, razão pela qual é importante que os agentes públicos e as instituições estejam atentas a esses sinais. Nesse sentido, cabe ao STF, enquanto guardião dos direitos e liberdades fundamentais, coibir condutas que, em última análise, enfraquecem as regras do regime democrático e do Estado de Direito."

Segundo o ministro, o pedido do PSL buscava restabelecer um procedimento já extinto, chamado “prisão para averiguações”, o que classificou de “política higienista”.

“Impressiona a tentativa de demonização pretendida pelo autor da ação”, disse Gilmar Mendes.

O ministro Alexandre de Moraes afirmou que a ação visava “criminalizar a pobreza” e pretendia “criminalizar” as condutas de crianças e adolescentes que são protegidos pela Constituição e pelo ECA.

“É penalizar as crianças e os adolescentes pela ausência de proteção integral que deveria ser realizada pelo Estado, pela sociedade e pelos pais. Uma política de higienização terrível”, disse.

O ministro Luiz Edson Fachin também acompanhou o relator.

Em seguida, o ministro Luís Roberto Barroso citou que há em torno de 50 mil crianças em abrigos, o que, segundo ele, mostra que "o país está falhando na sua obrigação com as novas gerações”.

Para Barroso, solucionar o problema existente "não é simples" mas é possível.

“Para esse problema existe uma solução que não é simples, mas ela é definitiva, que é um compromisso com a educação no primeiro momento da vida”, afirmou Barroso, que também criticou bandeiras defendidas por integrantes do atual governo.

“Quem achar que o problema da educação no Brasil é escola sem partido, ideologia de gênero ou saber se 64 foi golpe ou não, está assustado com a assombração errada. O problema da educação no Brasil é a não alfabetização da criança na idade certa, é a evasão escolar no ensino médio, é o déficit de aprendizado em que a criança conclui ensino fundamental, médio e não aprendeu nem o que tinha que aprender”, completou o ministro.

Rosa Weber também defendeu a importância da educação como “único caminho para o enfrentamento desse tema de enorme gravidade”.

Luiz Fux afirmou que a liberdade “talvez seja um dos mais importantes direitos fundamentais” e que as crianças precisam de “acolhimento pela sociedade”. “Essas crianças precisam de sentimento de pertencimento, elas precisam de acolhimento pela sociedade”, argumentou.

Marco Aurélio Mello também acompanhou Gilmar Mendes.

O decano Celso de Mello afirmou que a ação apresentada pelo PSL, “partido que hoje está no poder”, é “manifestamente inconstitucional” e o acolhimento “representaria uma clara transgressão ao princípio da proporcionalidade”.

Ele também afirmou que as normas do ECA são compatíveis com a Constituição, que prevê o princípio da “proteção integral da criança e do adolescente”.

O presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, também acompanhou o voto do relator.

Sustentações orais

O julgamento teve início nesta quarta, com sustentações orais. Isadora Cartaxo, da Advocacia-Geral da União (AGU), afirmou que a lei deve ser analisada sob o prisma da proteção às crianças e adolescentes.

"A argumentação contrasta com os próprios adultos na medida em que a Constituição garante o direito de liberdade de adultos. [...] Essas crianças em estado de abandono estão a requerer cuidados. Não se trata de deixar as crianças na sarjeta, em estado desumano. A tônica da lei é de acolhimento familiar", afirmou.

A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, também se manifestou pela rejeição da ação. Segundo Dodge, “o Estatuto da Criança e do Adolescente vem assegurar muito mais do que liberdade, assegura também respeito e dignidade".

“Na expectativa de poder prender para averiguações, sem o devido processo legal, sem uma acusação formal, sem definição de limite de tempo, de lugar e modo de tratamento, esta ação pretende suprimir essas garantias da Constituição”, completou Dodge.

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