terça-feira, 24 de janeiro de 2017

O que é bom para a grande mídia, não é bom para o Brasil

Escrito por Luis Edmundo, Postado em Análise de Mídia


Site: O Cafezinho

Foto: Kevin Lamarque/Reuters

Por Luis Edmundo Araujo, colunista do Cafezinho

Começou o governo de Donald Trump e a primeira medida do presidente dos Estados Unidos é a manchete dos quatro maiores jornais do Brasil. “Trump rompe acordo de comércio com o Pacífico”, conta o Valor. O Estado e a Folha de São Paulo falam a mesma coisa, com o primeiro de olho no futuro próximo ao dizer que Trump “mira Nafta”, o bloco econômico composto pelos países da América do Norte. Já o Globo dá mais uma mostra do otimismo incorrigível que acometeu o jornal desde a substituição de Dilma Rousseff por Michel Temer na Presidência da República, ao afirmar que “saída de EUA de mega-acordo global favorece Brasil e China”. A informação é contestada não só por aqui, no blog Viomundo, de Luiz Carlos Azenha, como também lá fora. Com relação à morte de Teori Zavascki, ficamos sabemos, pela chamada do canto da capa no Globo, que “conversas no avião foram gravadas”, e pela Folha, também em chamada lateral, que “em áudio, piloto não relatou falhas no avião que levava ministro do STF”.

A assinatura do decreto que Trump mostra na foto acima, a mesma da primeira página da Folha tirando a cabeça do assessor atrás dele, cortada no jornal paulista, é boa para o País, segundo o Globo, porque sem o acordo do Pacífico as “exportações brasileiras manterão mercados na Ásia”. O próprio jornal carioca, no entanto, diz antes, na mesma frase exposta no subtítulo de sua manchete, que, com a decisão de Trump, “chineses podem ampliar presença na América Latina”. E Azenha, no texto sobre o acordo conhecido pela sigla TPP, afirma justamente que “em nosso caso, mais do que as trocas comerciais entre Brasil e Estados Unidos estão em jogo os mercados da América Latina”.

O Globo conta que, “reservadamente, o governo brasileiro vê como positiva para o Brasil a decisão de Trump, já que a Parceria Transpacífica poderia levar a um isolamento do país e à perda de mercados para nossos produtos na Ásia, especialmente no Japão.” Por outro lado, no texto sob o título a dizer que “Trump cai fora da TPP e puxa o tapete de Temer, Serra e dos coxinhas”, Azenha lembra que “um estudo da Conferência Nacional da Indústria publicado em 2016 diz que ‘as exportações de produtos industriais respondem, em geral, por mais de 90% das exportações brasileiras para os países da América do Sul”.

Estão incluídos nesse rol, “além de veículos, produtos de borracha e material plástico e produtos químicos”, “equipamentos de informática e produtos eletrônicos (42,2% do total exportado pela indústria brasileira), máquinas e materiais elétricos (41,2%), produtos de metal (38,3%), máquinas e equipamentos (38,0%), produtos têxteis (25,4%), celulose e papel (15,2%) e metalurgia (14,5%)”, revela Azenha, para afirmar em seguida que, além dos chineses, agora “a minguante indústria brasileira vai enfrentar concorrência crescente dos produtos made in USA, cuja produção Trump pretende estimular com investimentos em infraestrutura, protecionismo e pressão política”.

“Temer e Serra, cujos interesses combinam com os de Trump — a defesa intransigente dos Estados Unidos — vão ficar a ver navios… e você correrá risco ainda maior de perder o emprego”, conclui o texto do Viomundo. E no Estadão Eliane Cantanhêde até concorda que “o protecionismo de Donald Trump é péssimo para o mundo”, mas de resto faz coro com a manchete do Globo ao dizer, na chamada da primeira página para sua coluna, que “a saída dos EUA da Parceira Transpacífico é boa para o Brasil”, que, segundo ela, “era carta fora do baralho e agora pode voltar ao jogo”.

Míriam Leitão não chega a tanto no Globo, ao comentar o fim do pacto assinado por Obama em 2015, que, como diz o subtítulo da manchete do jornal, “previa liberar comércio entre 12 nações e, agora, não deve ir adiante”. A colunista analisa “as bravatas e o risco real do governo Trump” reconhecendo de cara que a saída dos Estados Unidos da Parceria Transpacífica já era esperada, “e não chega a perturbar a economia mundial os EUA saírem de um acordo que ainda não está em vigor”. “O risco real de Trump é o desconhecido”, afirma Leitão, para completar em seguida dizendo que “de governos conservadores, como foram os dos Bush ou Reagan, já se conhece o roteiro”, e que “Trump é da espécie populista de direita”.

No britânico The Guardian, o colunista Owen Jones tem menos dúvidas e mais certezas sobre o presidente norte-americano ao afirmar que “um plutocrata megalomaníaco como Trump elege os estrangeiros como bodes expiatórios enquanto promove política que enriquecem diretamente seus associados”. E para quem acredita na visão otimista do Globo, e de Cantanhêde no Estadão, Jones aconselha seus leitores a “não alimentarem a impressão de que Trump seja algo além de um charlatão que encoraja trabalhadores americanos a culparem qualquer um que não sejam homens como ele, responsáveis pelos múltiplos malefícios que definem essa rica porém injusta sociedade”.

Enquanto isso, ainda sob o impacto e as incertezas relacionadas à morte de Teori Zavascki, o Estadão anuncia na chamada de capa para a coluna de Sonia Racy que “Cármen Lúcia libera novos depoimentos da Lava Jato”. A presidente do Supremo Tribunal Federal autorizou juízes auxiliares de Teori a darem continuidade aos trabalhos de homologação das delações da Odebrecht. Eles devem ouvir executivos da empreiteira ainda nesta semana.

O Globo avisa na capa que “a Aeronáutica recuperou o áudio da caixa-preta do avião que caiu e matou o ministro Teori Zavascki e mais quatro pessoas”, e que “a Justiça decretou sigilo na investigação.” E segue a indefinição sobre quem herdará a relatoria da Lava Jato no STF e sobre quem será o substituto de Zavascki, com o surgimento de novos favoritos, tanto a uma vaga quanto a outra. Entra em cena também na história o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, como mostra Tereza Cruvinel em sua coluna no Brasil 247.

Cruvinel relata que “ao visitar nesta segunda-feira 23 a presidente do STF, Cármen Lúcia, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, entrou na mal dissimulada disputa sobre a sucessão na relatoria da Lava Jato no STF”. Segundo a jornalista, “certo é que ele (Janot) e a presidente do STF convergem no sentido de que o STF não pode deixar a relatoria de Teori ser herdada por um nome indicado de Temer e aprovado pelo Senado onde muitos são investigados”.

Na chamada de capa em que diz que “Temer analisa nomes de cortes superiores para a vaga de Teori”, a Folha conta que, “tido como favorito, o presidente do Tribunal Superior do Trabalho, Ives Gandra Filho, tem o apoio do ministro Gilmar Mendes, do STF, conselheiro de Temer”. Não há nada no jornal sobre o que revelou o site Justificando, que Ives Gandra Martins Filho afirmou em artigo sobre Direitos Fundamentais no livro “Tratado de Direito Constitucional, v. 1”, que as mulheres devem submissão aos maridos e que casamento deve ser indissociável e deve apenas acontecer entre o homem e a mulher”.

Na coluna Painel, assinada por Paulo Gama, a Folha mostra, na nota intitulada “Alcunha zen”, que Gandra Filho “é chamado de ‘monge’ pelos amigos”. Na nota seguinte, “Questão de fé”, a coluna conta que a biografia do magistrado, publicada no site do tribunal, sustenta que ele ‘é feliz com sua vida’ e afirma que ‘escolhas como o celibato fazem parte de uma decisão de Deus'”.

Já Merval Pereira reconhece que o candidato a ministro do STF “vem sendo muito criticado, porém, por suas posições conservadores em termos de costumes, que estão em choque com a tendência do STF nos últimos tempos”. “Provavelmente Ives Gandra se posicionará a respeito nos próximos dias, para tentar neutralizar os efeitos desses conceitos na sua eventual indicação”, continua Merval, que antes, ao ressaltar que “a flexibilização das leis trabalhistas certamente será levada ao Supremo quando a reforma da legislação entrar em discussão”, lembra que no TST Ives Gandra “tem defendido que o negociado se sobreponha ao legislado, ponto que será central na reforma trabalhista do governo”.

É isso, não a Lava Jato ou qualquer outra questão, o mais importante não só para o governo, mas também para a grande mídia, como deu a entender Merval logo na capa do Globo, ao afirmar que “Temer quer no STF ministro afinado com reformas”.

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