terça-feira, 29 de dezembro de 2015

A queda do Collor em 1992



Fernando Afonso Collor de 












Mello quando era presidente do Brasil. / PORTAL DO PLANALTO.

Collor de Mello perdeu a presidência por seu envolvimento em uma rede de corrupção.

RICARDO SOCCA Río de Janeiro
Elpais

Corria tranquilamente o mês de maio de 1992. O Governo brasileiro finalizava os preparativos para cumprir seu papel de anfitrião na Cúpula da Terra, enquanto milhares de visitantes do mundo todo aguardavam a conferência sobre o meio ambiente. Ninguém esperava naquele momento que o Brasil fosse ser sacudido pelo maior escândalo de sua história, quando o irmão mais novo do presidente Fernando Collor de Mello, Pedro, declarou publicamente que o chefe de Estado utilizava o cargo para acumular uma fortuna fabulosa por meio de uma rede de extorsão, corrupção e chantagem. Em 30 de dezembro passado, o Senado brasileirocondenou Collor por corrupção, apesar de o presidente ter renunciado ao cargo um dia antes.

A acusação caiu como uma bomba na opinião pública, ocupou as primeiras páginas dos jornais e saltou nos teletipos do mundo todo. No entanto, ninguém acreditava à época que as ondas de choque do escândalo se propagariam como um terremoto de intensidade crescente até os últimos dias do ano, revelando a todos o sórdido tráfico de influências que se escondia por trás dos bastidores do poder, um tráfico que obrigou o chefe de Estado a uma renúncia humilhante.

Pouco mais de dois anos após ter assumido o cargo, o presidente brasileiro havia fracassado no combate à inflação, enquanto os graves problemas sociais do Brasil tinham se agravado. No entanto, Collor mostrava alguns triunfos à comunidade financeira internacional. Obscuro político regional, alçado ao poder graças a seu notável carisma pessoal, o presidente era elogiado no exterior por ter aberto o mercado brasileiro ao investimento estrangeiro, inaugurado um ousado plano de privatizações, iniciado a liberalização da economia brasileira e acumulado o maior volume de reservas de ouro da história.

Pedro Collor de Mello revelou que o multimilionário empresário Paulo César Farias, amigo íntimo do presidente e tesoureiro da campanha eleitoral de 1989, brandia como uma arma sua amizade com Collor para extorquir empresários poderosos com a ameaça de arruiná-los. Em declarações publicadas pelarevista Veja, que conta com tiragem de 800.000 exemplares, Pedro Collor afirmou que Farias entregava ao presidente 70% dos “benefícios” desse programa e ficava com os 30% restantes. A polícia federal estima agora que durante os 30 meses de Governo de Collor, a rede de corrupção tenha rendido ao presidente e a Farias cerca de um bilhão de dólares.

Briga de família
Segundo as declarações do irmão do presidente, Farias se gabava em festas e reuniões de pagar os cartões de crédito da primeira-dama, Rosane Collor. “Fazia isso para mostrar sua intimidade com o poder e assim ter mais facilidade para extorquir, corromper e chantagear”, disse. Pedro Collor lembrou também que PC, como Farias é conhecido, enchia de presentes a ex-ministra da Fazenda do Brasil Zélia Cardoso: “Dizia a todo mundo que presenteava Zélia com vestidos, colares e coisas desse tipo”. O irmão de Collor acusou também o presidente de ter sido na juventude “um consumidor contumaz de drogas” e de tê-lo iniciado no uso de cocaína e LSD quando era adolescente.

Sob a pressão da opinião pública indignada com o escândalo, o Congresso formou rapidamente uma comissão de inquérito para apurar as denúncias. No entanto, Pedro Collor de Mello admitiu que não tinha nenhuma prova para respaldar suas afirmações.

O presidente então falou por meio de cadeia nacional de rádio e televisão para pedir desculpas à nação “pelas declarações falsas e mentirosas do meu irmão”. Ao mesmo tempo, a mãe de ambos, Leda Collor, destituiu Pedro da direção das empresas da família, alegando que seu filho caçula estava mentalmente perturbado. Parecia que as investigações tinham chegado a um beco sem saída. “Essa comissão parlamentar não vai chegar a lugar nenhum”, afirmava à época o ministro-chefe da Casa Civil, Jorge Bornhausen, acostumado à tradição de impunidade que corrói a política brasileira e à reconhecida inoperância das comissões de inquérito que se multiplicam pelas salas do Congresso.

Testemunha surpresa

No fim de junho, quando já parecia que as denúncias de Pedro Collor seriam esquecidas e a ação da comissão se desvaneceria no tempo como tantas outras, uma testemunha-chave provocou uma reviravolta espetacular nas investigações. Eriberto França, o motorista da secretária particular de Collor, Ana Acioly, revelou que ela o mandava periodicamente buscar grandes pacotes de dinheiro, em moeda nacional e em dólares, nas empresas de Farias. França afirmou também que com esse dinheiro a senhora Acioly pagava depois os gastos e abastecia as contas bancárias do presidente e de sua esposa. As declarações do chofer, hoje transformado em celebridade nacional, estimularam a comissão e, pela primeira vez, o julgamento político se tornou uma alternativa viável.

Apoiada em seus poderes legais, a comissão parlamentar determinou a quebra do sigilo bancário de várias contas correntes, até descobrir a existência de clientes fictícios em vários bancos. Logo se soube que todos eles eram funcionários ou amigos de Farias, que abriam contas fantasma para enganar a polícia e a Receita Federal. Muitos desses fantasmas enviavam dinheiro ilegalmente para o exterior, e um deles comprou um automóvel Fiat para o chefe de Estado.

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