sábado, 17 de maio de 2014

Projeto prevê fim da regra usada por Barbosa para negar trabalho a Dirceu

Presidente do STF negou porque ex-ministro não cumpriu 1/6 da pena.
Anteprojeto de comissão de juristas será discutido na CCJ do Senado.

Projeto de lei elaborado por uma comissão de juristas no Senado prevê mudanças na legislação na qual o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Joaquim Barbosa, se baseou para revogar o benefício de trabalho externo de três condenados no processo do mensalão do PT e negar o pedido do ex-ministro da Casa Civil José Dirceu para trabalhar fora da prisão.

Barbosa entendeu que, de acordo com o artigo 37 da Lei de Execução Penal (LEP), os presos do semiaberto devem cumprir um sexto da pena antes de ter direito a deixar a prisão para trabalhar. O entendimento contraria decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que garantiam o benefício, e parecer da Procuradoria Geral da República, que entendeu que, no regime semiaberto, não é preciso cumprir parte da pena antes de obter o trabaho externo.
A Lei de Execução Penal tem, em seu espírito, o processo de ressocialiação e reintegração. Se a decisão de Joaquim Barbosa, que considero equivocada, vier a fazer escola, se espalhar, o que vai acontecer é que o processo de ressocialização ou reintegração vai sofrer um abalo."
Promotor Marcellus Ugiette, integrante da comissão de juristas que

A comissão de juristas discutiu a LEP entre abril e dezembro do ano passado e entregou uma proposta de reforma na legislação para o presidente do Senado, Renan Calheiros. Entre as alterações sugeridas está o fim da exigência do cumprimento de um sexto da pena para o trabalho externo no regime semiaberto.

O argumento de que é necessário cumprir um sexto da pena foi utlizado por Barbosa pararevogar o benefício de trabalho concedido pelas Varas de Execuções Penais a Delúbio Soares, Romeu Queiroz e Rogério Tolentino. Pelo mesmo motivo, Barbosa rejeitou pedido de Dirceu para trabalhar em um escritório de advocacia. Dirceu recorreu e o caso deverá ser analisado pelo plenário do Supremo em data ainda não definida.

O projeto de reforma da LEP ainda será discutido na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) - para virar lei, precisa ser aprovado no plenário do Senado, da Câmara e depois ser sancionado pela Presidência. O senador Eunício Oliveira (PMDB-CE) é relator do projeto desde março deste ano e deverá preparar um relatório antes de o tema ser votado na CCJ.

A comissão de juristas que elaborou o texto foi formada por 11 integrantes de tribunais, Ministério Público, Defensoria e advocacia.

O texto final entregue pelo grupo altera, entre outros, o artigo 37 da LEP.

A redação atual do artigo, em vigor desde 1984, afirma que "a prestação de trabalho externo, a ser autorizada pela direção do estabelecimento, dependerá de aptidão, disciplina e responsabilidade, além do cumprimento mínimo de 1/6 (um sexto) da pena".

O artigo não informa se a exigência se refere ao regime fechado (penas superiores a oito anos) ou ao semiaberto (penas entre quatro e oito anos), mas aparece na sequência do artigo 36 que estabelece que, no regime fechado, só é permitido sair para trabalhar em obras públicas.

Após os debates, a comissão de juristas considerou que o artigo 37 se refere especificamente a presos do semiaberto, além de retirar a exigência de cumprimento de um sexto.

"A prestação de trabalho externo no regime semiaberto, a ser autorizada pela direção do estabelecimento, dependerá de aptidão, disciplina e responsabilidade", diz a proposta de modificação do artigo.

Entendimento consolidado no STJ
Um dos integrantes da comissão, o promotor de Pernambuco Marcellus Ugiette, que atua há 14 anos com execuções penais, explicou que a decisão de retirar a exigência de cumprimento de um sexto da pena se deve ao fato de que há entendimento consolidado no Superior Tribunal de Justiça (STJ) autorizando o trabalho externo no caso do regime semiaberto.

O Código Penal estabelece que a pena do semiaberto seja cumprida em colônia agrícola ou industrial, mas não há presídios desse gênero suficientes no país. Por isso, o STJ entende que os presos no semiaberto podem ser liberados de imediato para trabalhar fora, seja por meio de convênios com entes públicos seja após apresentação de propostas de trabalho em empresas privadas.

"A diferença que se tem no regime fechado é somente a saída temporária, de indulto, Natal ou feriados, e a possibilidade de trabalho externo. A Lei de Execução Penal tem, em seu espírito, o processo de ressocialiação e reintegração. Se a decisão de Joaquim Barbosa, que considero equivocada, vier a fazer escola, se espalhar, o que vai acontecer é que o processo de ressocialização ou reintegração vai sofrer um abalo", afirmou Ugiette.

Para o promotor, o semiaberto tem de conduzir o preso para a ressocialização com atividade laborativa, "se sentindo útil, digno". "Se isso for retirado, o pouco que se tinha de ressocialização vai por água abaixo", disse.

O promotor destacou que o próprio programa Começar de Novo, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) – do qual Joaquim Barbosa também é presidente –, não exige o cumprimento de um sexto da pena.

Para Ugiette, a decisão de obrigar o cumprimento de um sexto da pena antes de se autorizar o trabalho externo, na prática, retira a possibibilidade de trabalhar para quem começa a cumprir pena no regime semiaberto. Isso porque, após cumprir um sexto, o preso já passaria para o regime aberto e teria conversão da pena em prisão domiciliar.

"Essa teoria de que tem que cumprir um sexto é absurda e matematicamente equivocada. Aqui em Pernambuco, se o preso apresenta carta de emprego, começa a trabalhar no outro dia. [...] Eu tenho certeza que o Supremo ficará sensível e o plenário deve rechaçar o entendimento. O ministro Joaquim Barbosa é inteligente, mas a decisão é retrato de quem não conhece a fundo o sistema penitenciário. Quem conhece sabe que o trabalho externo é fundamental. Estou falando de mais de 100 mil presos que trabalham no Brasil."

O defensor público Denis Praça, que também integrou a comissão de juristas do Senado, ressalta que a questão "sempre foi polêmica", mas que a comissão entendeu que exigir um sexto da pena antes de trabalhar no regime semiaberto fere a isonomia entre os presos do semiaberto.

"Presos do fechado que cumprem pena por crimes mais graves e progrediram para o semiaberto poderiam ter direito a trabalhar, mas o que começaram no semiaberto e cometeram crimes mais brandos não teriam direito", destacou.

G1

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